Augusto Boal
>> segunda-feira, 4 de maio de 2009
"Mas, que é a vida? Vida são olhos que saúdam as madrugadas, acariciam as noites, acolhem sorrisos; ouvidos que recebem o barulho dos ventos, ouvemgemidos de dor, escutam palavras de amor, bocas que experimentam o deleitedos frutos e dos beijos e que recitam poemas; narizes que sentem o cheiroda maresia, da comida que se cozinha no fogão e dos corpos suados. Pernasque andam pelos bosques e levam mensagens a lugares distantes; braços queplantam jardins, e que se estendem para os abraços e para as lutas. A vidaé um poema enorme, uma explosão de gestos e de sentidos espalhados peloespaço. Mas como tudo que é humano, a vida é também cansaço que anseiapelo sono. Como diz o poeta sagrado, "para todas as coisas há o seu tempo,debaixo do sol; há um tempo de nascer e um tempo de morrer". Saber viver etambém saber morrer. Cada poema se inclina para a sua última palavra; cadacançãos e prolonga na direção do seu silêncio. Última palavra em quecontinuam a reverberar todas aquelas que a antecederam: silêncio onderessoam os sons que o prepararam. Toda a vida é um preparatio mortis e épor isso que a última palavra e o último gesto são um direito que ninguémlhe pode roubar. Ao corpo pertence o direito de dizer: "É hora de partir".(...) Fernando pessoa sofria pensando no cansaço sem remédio das estrelas:
Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo...
Não haverá um cansaço das coisas,
Um cansaço de existir,
De ser, Só de ser?...
O ser triste, brilhar ou sorrir...?
Não haverá, enfim, Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim,
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão - Qualquer coisa assim
Como um grande perdão?"
Rubem Alves (Tempo de Morrer, p. 117-121, In: O Retorno e Terno. 24ª ed. SP: Papirus,2003.)
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